As línguas indígenas
Troncos e famílias
Hoje
em dia existem mais ou menos 180 línguas indígenas no Brasil.
Umas
são mais semelhantes entre si do que outras. Isso mostra que há origens comuns
e processos de mudanças que aconteceram com o passar do tempo.
Os
especialistas no conhecimento das línguas são chamados de linguistas.
Os
linguistas expressam as semelhanças e as diferenças entre as línguas através da
idéia de troncos e famílias linguísticas.
Quando
se fala em tronco, deve-se pensar
nas línguas cuja origem comum está situada há milhares de anos, e as
semelhanças entre elas sendo muito sutis.
Entre
línguas de uma mesma família, as semelhanças são maiores, e são o resultado de
separações ocorridas há menos tempo.
Veja o exemplo do português:
As
línguas indígenas no Brasil apresentam dois grandes troncos: Tupi e Macro-Jê.
São
19 famílias linguísticas que não apresentam graus de semelhanças suficientes
para que possam ser agrupadas em troncos.
Há
famílias de apenas uma língua, às vezes denominadas “línguas isoladas”, por não
serem parecidas com nenhuma outra língua conhecida.
É
importante lembrar que poucas línguas indígenas no Brasil foram estudadas em
profundidade.
Conheça
as línguas indígenas brasileiras, agrupadas em famílias e troncos, de acordo
com a classificação do professor Ayron Dall’Igna Rodrigues.
Trata-se
de uma revisão especial para o ISA (setembro/1997) das informações que constam
de seu livro Línguas brasileiras – para o conhecimento das línguas indígenas
(São Paulo, Edições Loyola, 1986, 134 p.).
Você
pode conhecer outras famílias acessando o endereço:
Multilinguismo
Os
povos indígenas sempre conviveram com situações de multilinguismo.
Isso
quer dizer que o número de línguas usadas por um indivíduo pode ser bastante
variado.
Há
aqueles que falam e entendem mais de uma língua ou que entendem muitas línguas,
mas só falam uma ou algumas delas.
Assim,
não é raro encontrar sociedades ou indivíduos indígenas em situação de bilinguismo,
trilinguismo ou mesmo multilinguismo.
Geralmente
a diferença linguística não é impedimento para que os povos indígenas se
relacionem e se casem entre si, troquem coisas, façam festas ou tenham aulas
juntos.
Um
bom exemplo disso se encontra entre os índios da família linguística Tukano,
localizados em grande parte ao longo do rio Uaupés, um dos grandes formadores
do rio Negro, numa extensão que vai da Colômbia ao Brasil.
Entre
esses povos habitantes do rio Negro, os homens costumam falar de três a cinco
línguas, ou mesmo mais, havendo poliglotas que dominam de oito a dez idiomas.
Além
disso, as línguas representam, para eles, elementos para a constituição da
identidade pessoal:
è Um homem, por
exemplo, deve falar a mesma língua que seu pai, mas deve se casar com uma
mulher que fale uma língua diferente, ou seja, que pertença a outro “grupo linguístico”.
Os
povos Tukano são, assim, tipicamente multilíngues. Eles demonstram como o ser
humano tem capacidade para aprender em diferentes idades e dominar com
perfeição numerosas línguas, independente do grau de diferença entre elas, e
mantê-las conscientemente bem distintas, apenas com uma boa motivação social
para fazê-lo.
O
multilingüismo dos índios do Uaupés não inclui somente línguas da família
Tukano. Envolve também, em muitos casos, idiomas das famílias Aruak e Maku,
assim como a Língua Geral Amazônica ou Nheengatu, o Português e o Espanhol.
Há
casos em que o Português funciona como língua
franca (quando uma língua torna-se o meio de comunicação mais usado).
Línguas gerais
Nos
primeiros tempos da colonização portuguesa no Brasil, a língua dos índios
Tupinambá (tronco Tupi) era falada em uma enorme extensão ao longo do litoral.
No
século XVI, ela passou a ser aprendida pelos portugueses, que de início eram
minoria diante da população indígena. Aos poucos, o uso dessa língua, chamada
de Brasílica, aumentou e
generalizou-se de tal forma que passou a ser falada por quase toda a população
que integrava o sistema colonial brasileiro.
Grande
parte dos colonos vinha da Europa sem mulheres. Eles acabavam tendo filhos com
índias, e isso fazia com que a Língua Brasílica fosse a língua materna dos seus
filhos.
Além disso, as missões jesuítas
incorporaram essa língua como instrumento de catequização indígena. O padre
José de Anchieta publicou uma gramática, em 1595, intitulada Arte de
Gramática da Língua mais usada na Costa do Brasil. Em 1618, publicou-se o
primeiro Catecismo na Língua Brasílica. Um manuscrito de 1621 contém o
dicionário dos jesuítas, Vocabulário na Língua Brasílica.
A
partir da segunda metade do século XVII, essa língua, já bastante modificada
pelo uso corrente de índios missionados e não índios e passou a ser conhecida
pelo nome Língua Geral.
Mas
é preciso distinguir duas Línguas Gerais
no Brasil-Colônia: a paulista e a amazônica.
Foi
a Língua Geral Paulista que deixou
fortes marcas no vocabulário popular brasileiro ainda hoje usado (nomes de
coisas, lugares, animais, alimentos etc.) e que leva muita gente a imaginar que
"a língua dos índios é (apenas) o Tupi".
Língua Geral Paulista
A
Língua Geral paulista teve sua origem na língua dos índios Tupi de São Vicente
e do alto rio Tietê, e era um pouco da língua dos Tupinambá.
No
século XVII, era falada pelos bandeirantes.
Por
intermédio deles, a Língua Geral Paulista penetrou em áreas jamais alcançadas
pelos índios tupi-guarani, influenciando
a linguagem corriqueira de brasileiros.
Língua geral
amazônica
Essa
segunda Língua Geral desenvolveu-se inicialmente no Maranhão e no Pará, a
partir do Tupinambá, nos séculos XVII e XVIII. Até o século XIX, ela foi usada
na catequese e na ação social e política portuguesa e luso-brasileira.
Desde
o final do século XIX, a Língua Geral amazônica passou a ser conhecida, também,
pelo nome Nheengatu (ie’engatú =
“língua boa”).
Apesar
de suas muitas transformações, o
Nheengatu continua sendo falado nos dias de hoje, especialmente na bacia do
rio Negro (rios Uaupés e Içana).
Além
de ser a língua materna da população cabocla, mantém o caráter de língua de
comunicação entre índios e não índios, ou entre índios de diferentes línguas.
Nheengatu
Em
1734, o governo de Portugal proibiu o uso do nheengatu no Brasil sob pena de
chibata e prisão.
Mas,
o nheengatu não morreu: em 2001, o município de São Gabriel da Cachoeira (AM),
reconheceu o nheengatu como uma das suas línguas oficiais.
Tupi antigo
|
Nheengatu
|
Português
|
xe, ixé
|
se, ixé
|
eu
|
ne/nde, endé
|
ne, indé
|
tu
|
a'e, i (singular)
|
aé, i
|
ele, ela
|
oré
|
ø
|
nós (exclusivo-exclui o
ouvinte)
|
iandé
|
iandé
|
nós (inclusivo)
|
pe, pe'ẽ
|
pe, penhẽ
|
vós
|
a'e, i (plural)
|
aintá/tá
|
eles, elas
|
Sim, a língua também tem a sua LINHA DO TEMPO...
Século XVI
O
tupi, principalmente o dialeto tupinambá, que ficou conhecido como tupi antigo,
é falado da foz do Amazonas até Iguape, em São Paulo. De Cananéia à Lagoa dos
Patos fala-se o guarani.
Séculos XVII/XVIII
O
extermínio dos tupinambás, a partir de 1550, a imigração portuguesa maciça e a
introdução de escravos africanos praticamente varre o tupi da costa entre
Pernambuco e Rio de Janeiro.
Em
São Paulo e no Pará, no entanto, ele permanece como língua geral e se espalha
pelo interior, levado por bandeirantes e jesuítas.
Século XX
O
português se consolida a partir da metade do século XVIII. O tupi antigo
desaparece completamente, junto com outras línguas indígenas (das 340 faladas
em 1500, sobrevivem, hoje, apenas 170). A língua geral da Amazônia, o
nheengatu, continua sendo falada no alto Rio Negro e na Venezuela por cerca de
30 000 pessoas.
Curiosidades
Em
tupi, todos os verbos no infinitivo são substantivos: nhe’enga é “a fala”, e
não “falar”.
A
realidade ajuda a criar conceitos abstratos: “Silêncio”, por exemplo, é
kirir˜i, inspirado no cri-cri dos insetos na mata, à noite.
Elementos
da natureza nunca são ligados à idéia de posse: você diz xe py (meu pé) ou xe
u’uba (minha flecha), mas nunca faz o mesmo para elementos da natureza.
Em
tupi, não se diz nde ybyrá (tua árvore), mas somente ybyrá (árvore).
Não
existe tempo verbal, todos os verbos estão no passado: para dizer “eu saio” e
“eu saí” a expressão é a mesma: a-sem.
O
dia de hoje não é um período de tempo, mas um lugar iluminado pelo sol: para se
falar hoje, diz-se Kó ‘ara pupé (dentro desta claridade).
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